segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Você acredita em vida após o amor?
Ainda tento me acostumar com a situação.
Voinha, vovó, minha vó, dona Lucy, dona Lucyzinha, Minha Margarida...
Tantos adjetivos, tantas formas de chamar, uma só pessoa.
A Mulher, com M, que tinha tantos medos,
e que venceu um a um, em seus 97 anos de vida.
Minha avó, sempre foi uma poesia, em minha vida.

Vovô ainda nem sabe. Eles jamais se separaram, por tanto tempo,
sem um sentir a falta do outro, sem esperar o outro voltar pra casa,
mesmo que fosse só para comprar pão na padaria, meu avô saía,
e se demorasse alguns minutos a mais que o normal, vovó já dizia:
- Cadê seu avô que ainda não chegou?
Mas ele só pode saber com o tempo, bem aos poucos, em doses homeopáticas.
O amor é tão grande, que tememos por ele. Então, por cuidados, será aos poucos.
A difícil tarefa, como sempre, recai sobre mamãe. 
A única mulher tão forte quanto minha avó, que conheci até hoje.
E como mamãe foi criada para ser forte, é dessa forma que ela amparará vovô.
Nem eu acredito, às vezes. Choro tanto!
Não pela partida, nem reclamando por ela ter feito sua passagem.
Mas, sim, pela saudade, e claro, feliz por ela ter podido descansar.
É uma dor, sabe? Uma dor que dói tanto.
Mas é uma dor que dói tanto, que o grito é cuspido, sem o cérebro conseguir sequer inibi-lo.
E eu grito.
As mãos formigam e os pés também. E aí eu choro, eu grito.
É triste saber que não terei mais os olhinhos dela a olhar, nem sua pele a acariciar.
Mas eu entendo o percurso da vida e aceito sua partida.
Afinal, ela está tão feliz. Vovó, depois de tantos anos, pôde reencontrar seus pais e irmão.
Meus bisavôs Antonio, seu Tonico, e Edvirgens, dona Edvirgens, e meu tio avô Oswaldo.
Pessoas de quem sentia tanta falta. Até hoje lembro do retrato na parede da sala de vovó,
com seu Tonico, dona Edvirgens, ela (aos 18 anos e muito vaidosa) e tio Oswaldo.
Vaidosa, sim. Vovó era vaidosa. Não admitia sair de casa sem estar arrumada,
maquiada, de brincos e colar, e seu cabelo jamais deixado de colorir.
Ela não era contra envelhecer, só não queria envelhecer descuidada.
Portanto, vovó sempre era vista linda, aos olhos dos outros.

Embora sempre arrumada, tinha seus medos: não ver seus filhos crescidos, formados e casados.
Netos? Ela nem pensava que veria a primeira nascer, e viu seus 7 netos crescerem.
Bisnetos? Vovó imaginar ver o primeiro bisneto? Isso nem existia em sua mente.
E vovó viu e acompanhou os primeiros dois anos de sua primeira bisneta, Lara.

Minha avó venceu todos os seus medos, cumpriu sua missão nessa vida e fez sua passagem.
Quanto a mim? Sempre o mais apegado a ela. Quando nasci e meus pais precisaram se mudar,
ela me criou até os 6 meses. Quando papai voltou para me buscar, ela pediu pra me deixar com ela.
Vovó ficou triste com minha partida, mas entendia, seu neto deveria estar com os pais.
E quando queria ir no armazém de seu Eronildes comprar um punhado de big big,
lá estavam vovó ou vovô me acompanhando na ida e na volta.
Foram tantas vezes, tantos biscoitos recheados, farinhas lácteas e potes de sorvete ao lado deles.
Inúmeras as noites dormidas na casa deles. Meus avós sempre cuidaram e me educaram muito bem.
Mesmo errado, os dois me defendiam, e depois me ensinavam o certo.

E fui crescendo...nossos finais de tarde eram sempre na porta de casa, vendo o movimento da rua,
com voinha fazendo crochê ou palavras cruzadas e voinho tomando sua cerveja e comendo seu queijo cortado em cubos, com um bocado de sal. Era uma deliciosa combinação gourmet!
Vovó foi criada para ser forte.
Meu bisavô a criou, totalmente, fora dos padrões da época, para uma mulher.
Seu Tonico, caixeiro viajante, levava vovó, embaixo do braço, fosse pra onde tivesse de ir.
Sempre dizia para nunca depender de homem nenhum, que estudasse e trabalhasse.
Ele queria ver sua filha ser uma mulher de sucesso, independente.
E olhe que voinha nasceu lá em 1918, é mole?
Voinha cresceu, estudou, virou funcionária publica do INPS e lá conheceu o grande amor de sua vida.
O homem com quem passaria todo o restante de sua vida, tivera quatro filhos, sete netos e uma bisneta.

E esse homem, com todo orgulho, eu digo, é meu avô, seu José. Ah, meu avô e meu padrinho!

Vó só fazem dois dias de sua passagem, e eu sinto uma grande saudade cheia de todo o amor que a senhora me ensinou a ter pelas pessoas, pela a minha família, pelas coisas que faço, pelos meu sonhos.
Agora, ficam nossas fotos, para seus olhos, eu olhar. Ficam as fotos, para sua pele, eu acariciar. Ficam as fotos, para seu rosto beijar, mas algumas coisas ficam, as quais jamais o tempo poderá me tirar.
Ficam em mim, seus ensinamentos, seu amor por mim, meu amor por ti, o amor pela minha família, a crença e amor a Deus, minha fé. Eu fico como resultado da sua brilhante educação, por mais que eu possa falhar; eu fico como resultado do seu primoroso caráter, por mais falho que eu seja; eu fico como resultado do imenso amor que a senhora tinha por tudo e todos; eu fico como resultado da sua mais amorosa e fabulosa filha, dona May
; eu fico como resultado da senhora.
E posso lhe garantir, ninguém há de apagar o caráter que me ensinou a ter, a educação, o cuidado, o carinho, a feição, a fraternidade pelas pessoas, a responsabilidade que implementou em mim, a sabedoria, o discernimento, o raciocínio, a franqueza, o sorriso, as gargalhadas que dávamos por qualquer bobagem que te contava para brincarmos, a
coragem, a força, vencer meus medos, batalhar pelos meus sonhos e realizá-los, enfim, vovó, eu me devo à senhora.
Obrigado por cada dia de cuidado, amor, carinho, defesa e dedicação. Perdoe-me pelos dias de dor de cabeça que lhe causei por cometer algum erro. Tenho certeza de que a senhora entendia que fazia parte da idade, do crescimento, do meu amadurecimento.
Você pegou o avião em direção aos braços de Deus, só que deixou em mim, o amor que temos um pelo outro. E estejamos cá ou aí, esse amor é só nosso. Com esse amor, viverei meus dias. E com esse amor, eu vou até o fim do mundo.
Se eu acredito em vida após o amor? Creio que minha avó me ensinou muito bem que onde há amor e vida, sempre haverão vida e amor.

 
 
 
 
   
 

"Quando não houver saída
Quando não houver mais solução
Ainda há de haver saída
Nenhuma ideia vale uma vida 
Quando não houver esperança
Quando não restar nem ilusão
Ainda há de haver esperança
Em cada um de nós, algo de uma criança
(...)
Quando não houver caminho
Mesmo sem amor, sem direção
A sós ninguém está sozinho
É caminhando que se faz o caminho
Quando não houver desejo
Quando não restar nem mesmo dor
Ainda há de haver desejo
Em cada um de nós, aonde Deus colocou(...)"

Um comentário:

Dark Angel disse...

Gostaria de ter a metade da sua sensibilidade meu amigo!! De fato vc é algum dos meus sentimentos que se perdeu durante o meu nascimento.