quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Toma-me, Naturesa

Toma-me!
E nos tomamos. Mergulhamos um no íntimo do outro,
no âmago de cada um, e fomos a fundo.
Tiramos do inexplorável o inexorável.
Trouxemos à tona, o esquecido pelo inconsciente.
Tudo em nome de um fazer artístico.
Fomos de Vinícius, até as nossas entranhas.
Saímos, entramos em crise, atrasamos, mas mostramos.
Juramos não mais falar de amores, mas vivemos pelo amor.
Prometemos pulsar, cuspir, jogar, arremessar, atingir.
E atingimos com gosto.
Quem nos viu, se tornou imóvel. Quem não, nos deseja, loucamente.
Nós três, ao som de Piaf e tomem-nos.
Nos tomem. Queremos ser bebidos, degustados, apreciados.
Peça seu espresso. Beba-nos!
Se estivermos quente, seremos engolidos. O calor queimará sua lingua, sua alma. Não haverá tempo para nos degustar. Seremos intensos, fortes e deixaremos marcas.
Se nos beber em temperatura agradável, as marcas não existirão. Seremos intensos, fortes, encorpados, passaremos por ti, fazendo você delirar, suspirar, se arrepiar. Não existirão marcas, apenas lembranças de uma incrível degustação.
Só não deixe para nos beber se estivermos frios. Seremos amargos, secos, um acúmulo de uma força estranha. Você sentirá as dores e as marcas que nos deixou ao nos Deixar esfriar. Não haverão recentimentos nossos, apenas o seu calafrio e arrependimento no último gole.
Nos embebedem, nos peguem, nos façam teus.
Pois não somos de ninguém, somos de nós mesmos. Nos tomem, nos tenham, nos bebam.
Tomem-nos como uma xícara café.
Aquele gosto sutil, forte, que chega a ser saboroso,
mas que amarga ao fim, de fortes e rígidos que somos.
Tomem-nos!

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Tem dias em que você só existe.
As pessoas insistem em perguntar como você está,
e a única resposta a dar, é que você não vai. Você passa.
Sim, você passa. Os dias vão passando, morrendo e nascendo, um após o outro,
e você acompanha o ciclo evolutivo, ou melhor, o ciclo se fechando.
No seu ciclo só há fechamentos, nada se abre ao novo, nada se renova, nada vive.
Você só existe, apenas um por um acidente de percurso.
Isso mesmo. Naquele acidente trágico, em que milhões de pessoas morreram,
por um acidente de percurso, você não estava entre elas.
Sua morte de nada mais serviria para o seu descanso.
Não é algo em que você perde seu tempo planejando. Não! De forma alguma.
Você só quer um descanso profundo e eterno. A solução pra isso? Morrer, oras.
Mas até para morrer, você não tem sorte.
Na sua vida não há nada, muito menos a sua morte.
Você não está, não vive, nem talento pra morrer, você tem, seu imprestável.
Você vaga, divaga, paira. Você vegeta. Você veta a si próprio. Você...
Nem vocação para um pronome, tens cacife.
Não existes! Aceitas!

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Dia desses, a dor ressurgiu.
Paris estava em obras.
Dois grandes atentados, vários destroços, algumas feridas, uma perda irreparável.
Seriam duas, no caso, mas o conserto de uma delas, está em bom andamento. O da segunda, o buraco ainda é fundo, presenciá-lo é assustador, doloroso. A perda principal se fez nele.
Mas cada um deles, tem sua dor.
Alice, a Rainha Vermelha e seu rei, a princesa Elza e sua coelhinha mantém-se em pé. Mas na realidade, o segundo atentado, destroçou a familia real. A Rainha Mãe precisou partir e dela, ficam as lindas lembranças de uma vida ao teu lado. Lembranças que trazem uma dor de saudade absurda, as lágrimas voltam a cair feito enxurrada, em busca de lavarem o solo parisiense, levarem consigo os resquícios dos atendados e preparem o solo para novos bons e deliciosos frutos nascerem.
O primeiro atentado me deixa ainda muito abalado, e nem me recuperara direito dele, minha Paris sofreu o segundo. Difícil manter-me em pé e riste, mas a vida parisiense tem continuado.
Às vezes, tropeço nesse buraco aberto, em frente à Sacre Coeur, é uma escadaria infinita, bem cansativa, mas a gente busca, luta, corre atrás, e chega em suas portas enormes, talhadas, imponentes e respira fundo até 10. E aí, volto a andar, sabendo que aquele buraco me ronda, na verdade, eu ando em círculos rente ao precipício.
É quando me esbarro, sem perceber, em Montmartre, defronte ao primeiro grande estrago naquela Paria reluzente de raios solares, que já não conseguem reluzir muito bem, tamanha fumaça dos destroços que ainda insistem em povoar o ar e nos afixiar.
As moléculas de oxigênio começam a faltar, respirar CO2 é a certeza da morte cadavérica e esfacelante. E a corrida à Sacre Couer se torna a única saída de um fim desastroso, mesmo com tanta dor, pelos escombros do asfalto destruído, prédios caídos, mas só ali há oxigênio suficiente pra tentar nos salvar. E ali, estou a salvo e me salvo.
Minha vó, tem sido meio difícil saber que só terei suas fotos para olhar, abraçar, acariciar e beijar, mas o que me conforta é o amor que temos um pelo outro e saber o quão bem a senhora está aí em cima. E claro, a certeza de que um dia, nos veremos outra vez. E é assim que sobrevivo ao primeiro atentado. É pelo amor que me ensinou a ter pela vida e pela minha família, que sobrevivo, que me sinto a salvo e que me salvo.
Te amo, voinha Lucy.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Você acredita em vida após o amor?
Ainda tento me acostumar com a situação.
Voinha, vovó, minha vó, dona Lucy, dona Lucyzinha, Minha Margarida...
Tantos adjetivos, tantas formas de chamar, uma só pessoa.
A Mulher, com M, que tinha tantos medos,
e que venceu um a um, em seus 97 anos de vida.
Minha avó, sempre foi uma poesia, em minha vida.

Vovô ainda nem sabe. Eles jamais se separaram, por tanto tempo,
sem um sentir a falta do outro, sem esperar o outro voltar pra casa,
mesmo que fosse só para comprar pão na padaria, meu avô saía,
e se demorasse alguns minutos a mais que o normal, vovó já dizia:
- Cadê seu avô que ainda não chegou?
Mas ele só pode saber com o tempo, bem aos poucos, em doses homeopáticas.
O amor é tão grande, que tememos por ele. Então, por cuidados, será aos poucos.
A difícil tarefa, como sempre, recai sobre mamãe. 
A única mulher tão forte quanto minha avó, que conheci até hoje.
E como mamãe foi criada para ser forte, é dessa forma que ela amparará vovô.
Nem eu acredito, às vezes. Choro tanto!
Não pela partida, nem reclamando por ela ter feito sua passagem.
Mas, sim, pela saudade, e claro, feliz por ela ter podido descansar.
É uma dor, sabe? Uma dor que dói tanto.
Mas é uma dor que dói tanto, que o grito é cuspido, sem o cérebro conseguir sequer inibi-lo.
E eu grito.
As mãos formigam e os pés também. E aí eu choro, eu grito.
É triste saber que não terei mais os olhinhos dela a olhar, nem sua pele a acariciar.
Mas eu entendo o percurso da vida e aceito sua partida.
Afinal, ela está tão feliz. Vovó, depois de tantos anos, pôde reencontrar seus pais e irmão.
Meus bisavôs Antonio, seu Tonico, e Edvirgens, dona Edvirgens, e meu tio avô Oswaldo.
Pessoas de quem sentia tanta falta. Até hoje lembro do retrato na parede da sala de vovó,
com seu Tonico, dona Edvirgens, ela (aos 18 anos e muito vaidosa) e tio Oswaldo.
Vaidosa, sim. Vovó era vaidosa. Não admitia sair de casa sem estar arrumada,
maquiada, de brincos e colar, e seu cabelo jamais deixado de colorir.
Ela não era contra envelhecer, só não queria envelhecer descuidada.
Portanto, vovó sempre era vista linda, aos olhos dos outros.

Embora sempre arrumada, tinha seus medos: não ver seus filhos crescidos, formados e casados.
Netos? Ela nem pensava que veria a primeira nascer, e viu seus 7 netos crescerem.
Bisnetos? Vovó imaginar ver o primeiro bisneto? Isso nem existia em sua mente.
E vovó viu e acompanhou os primeiros dois anos de sua primeira bisneta, Lara.

Minha avó venceu todos os seus medos, cumpriu sua missão nessa vida e fez sua passagem.
Quanto a mim? Sempre o mais apegado a ela. Quando nasci e meus pais precisaram se mudar,
ela me criou até os 6 meses. Quando papai voltou para me buscar, ela pediu pra me deixar com ela.
Vovó ficou triste com minha partida, mas entendia, seu neto deveria estar com os pais.
E quando queria ir no armazém de seu Eronildes comprar um punhado de big big,
lá estavam vovó ou vovô me acompanhando na ida e na volta.
Foram tantas vezes, tantos biscoitos recheados, farinhas lácteas e potes de sorvete ao lado deles.
Inúmeras as noites dormidas na casa deles. Meus avós sempre cuidaram e me educaram muito bem.
Mesmo errado, os dois me defendiam, e depois me ensinavam o certo.

E fui crescendo...nossos finais de tarde eram sempre na porta de casa, vendo o movimento da rua,
com voinha fazendo crochê ou palavras cruzadas e voinho tomando sua cerveja e comendo seu queijo cortado em cubos, com um bocado de sal. Era uma deliciosa combinação gourmet!
Vovó foi criada para ser forte.
Meu bisavô a criou, totalmente, fora dos padrões da época, para uma mulher.
Seu Tonico, caixeiro viajante, levava vovó, embaixo do braço, fosse pra onde tivesse de ir.
Sempre dizia para nunca depender de homem nenhum, que estudasse e trabalhasse.
Ele queria ver sua filha ser uma mulher de sucesso, independente.
E olhe que voinha nasceu lá em 1918, é mole?
Voinha cresceu, estudou, virou funcionária publica do INPS e lá conheceu o grande amor de sua vida.
O homem com quem passaria todo o restante de sua vida, tivera quatro filhos, sete netos e uma bisneta.

E esse homem, com todo orgulho, eu digo, é meu avô, seu José. Ah, meu avô e meu padrinho!

Vó só fazem dois dias de sua passagem, e eu sinto uma grande saudade cheia de todo o amor que a senhora me ensinou a ter pelas pessoas, pela a minha família, pelas coisas que faço, pelos meu sonhos.
Agora, ficam nossas fotos, para seus olhos, eu olhar. Ficam as fotos, para sua pele, eu acariciar. Ficam as fotos, para seu rosto beijar, mas algumas coisas ficam, as quais jamais o tempo poderá me tirar.
Ficam em mim, seus ensinamentos, seu amor por mim, meu amor por ti, o amor pela minha família, a crença e amor a Deus, minha fé. Eu fico como resultado da sua brilhante educação, por mais que eu possa falhar; eu fico como resultado do seu primoroso caráter, por mais falho que eu seja; eu fico como resultado do imenso amor que a senhora tinha por tudo e todos; eu fico como resultado da sua mais amorosa e fabulosa filha, dona May
; eu fico como resultado da senhora.
E posso lhe garantir, ninguém há de apagar o caráter que me ensinou a ter, a educação, o cuidado, o carinho, a feição, a fraternidade pelas pessoas, a responsabilidade que implementou em mim, a sabedoria, o discernimento, o raciocínio, a franqueza, o sorriso, as gargalhadas que dávamos por qualquer bobagem que te contava para brincarmos, a
coragem, a força, vencer meus medos, batalhar pelos meus sonhos e realizá-los, enfim, vovó, eu me devo à senhora.
Obrigado por cada dia de cuidado, amor, carinho, defesa e dedicação. Perdoe-me pelos dias de dor de cabeça que lhe causei por cometer algum erro. Tenho certeza de que a senhora entendia que fazia parte da idade, do crescimento, do meu amadurecimento.
Você pegou o avião em direção aos braços de Deus, só que deixou em mim, o amor que temos um pelo outro. E estejamos cá ou aí, esse amor é só nosso. Com esse amor, viverei meus dias. E com esse amor, eu vou até o fim do mundo.
Se eu acredito em vida após o amor? Creio que minha avó me ensinou muito bem que onde há amor e vida, sempre haverão vida e amor.

 
 
 
 
   
 

"Quando não houver saída
Quando não houver mais solução
Ainda há de haver saída
Nenhuma ideia vale uma vida 
Quando não houver esperança
Quando não restar nem ilusão
Ainda há de haver esperança
Em cada um de nós, algo de uma criança
(...)
Quando não houver caminho
Mesmo sem amor, sem direção
A sós ninguém está sozinho
É caminhando que se faz o caminho
Quando não houver desejo
Quando não restar nem mesmo dor
Ainda há de haver desejo
Em cada um de nós, aonde Deus colocou(...)"